25 As duas peças
Devo actuar em duas peças de teatro.
No momento de entrar em cena apercebo-me de que não ensaiei, nem uma única vez o meu papel. A cena passa-se num grande hall-café-dormitório-cantina. Os actores estão à mesa. Ocupo o lugar de uma cadeira deixada livre mesmo na frente de cena.
O meu papel é o de uma espécie de vagabundo. Sobre a mesa há um pedaço de papel com algumas frases, mas o actor ao meu lado (que é também o encenador) inclina-se na minha direcção e sussurra-me que não é o meu texto.
Sou tomado por uma grande inquietação. Pouco tempo depois, conseguem passar-me uma ficha (mais do género de um papel de mercearia) com algumas indicações de texto. Devo confiar em alguns sinais dos meus colegas para saber quando é a minha vez de falar.
A peça começa.
Estou perdido. Tenho a impressão de falar a torto e a direito. Felizmente o autor escreveu um texto muito descosido. È mais um género de brua-brua.
Ao fim de algum tempo de considerável aborrecimento (arruino o trabalho dos outros), a
polícia chega ao fundo da sala.
Isto faz parte da peça.
Grande confusão.
Passa-se à segunda peça.
É um acto com três personagens. Desempenho o papel de um urso (ou será o diabo?) e à minha frente está Fausto e Margarida, ou talvez D.João e Faustina. Alguma inquietude com o meu texto enquanto me trazem a pele que devo vestir. São sobretudo grunhidos.
George Perec, in La Boutique Obscure, 124 Rêves
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