ESTREIA DIA 20 DE ABRIL "...absolutamente a não perder" julio stockwell in advanced performance

r. das taipas V

ruby. segundo trabalho no cão. dog culture consultant.

(…) Todo o sono é a imobilidade de um movimento. Pois não existe estado nenhum, situação nenhuma na vida humana, de completa imobilidade. A vida no seu estado elementar, no seu limite com a não vida, é tensão, esboço de movimento, predisposição para um movimento ou movimento reprimido, aprisionado. E os sonhos nascem desta impossibilidade, desta absoluta quietude no necessário repouso. Vida primitiva, por isso, primária, vida rebelde e em rebelião que é reiterada pelo ímpeto primeiro de atravessar o que se lhe opõe. Por isso o sonho tem carácter, por mais quieto e aprazível que seja o seu conteúdo, pelo que a vida tem na sua origem primeira de luta obscura, de quase delito, de perturbação da ordem estabelecida.

Entre o contínuo que serve de fundo ao ser que dorme, à vida que se detém para prosseguir, e a atemporalidade, nascem os sonhos, esta pseudovida ou vida primeira, manchada na sua origem por ter de abrir caminho, por não ser dada num meio inteiramente apto para a receber. Uma vida que procura o seu lugar, que desce. Pois é a vida de alguém que a deixa cair, que cai ele próprio.

Aquele que entra no sonho desprende-se de si mesmo, desprende-se da sua vida e fica a flutuar (…)

Maria Zambrano, in Os Sonhos e o Tempo

Sono : inconsciência geral.

Sonho : consciência parcial fragmentária, e intermitente dos membros, dos orgãos internos ou da pele.

Sonho : Um grande pedaço de homem que dorme e um pequeno pedaço que está acordado.

A perna é inteligente. Todas as coisas o são. Mas não reflecte como um homem. Reflecte como uma perna.

A perna não é estúpida, não caminhará sobre óleo ou bolas de sabão, não tentará fazer renda.

Lógica da perna.

Mas a perna despir-se-á no meio dos senadores, ou numa conferência de suffragettes, ou em propriedade privada. O público, a paisagem não interessam à perna; não lhe dizem respeito.

A lógica de um pedaço de homem é o absurdo para o homem total.

Carácter do sonho : o sonho é absurdo.

A perna é sensível.

Não tem emoções de homem. Tem emoções de perna.

A amizade, a contemplação? Não lhe dizem respeito.

As imprecações da Bíblia? Uma tela de Degas? Digo que a perna passará ao largo.

Mas eis um pijama, areia fina. Ah! Ou espinhos que magoam!

Emoção da perna.

A emoção de um pedaço de homem é indiferença e frieza para o homem total.

Carácter do sonho : Insensibilidade! Desafectividade.

(...)

H. Michaux


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